quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Vasalisa, o poder da intuição


Olá! Este capítulo fala sobre intuição. O próprio título já diz muito:"Farejando os fatos: O resgate da intuição como iniciação"



Esse capítulo fala sobre o conto Vasalisa, para ler o conto clique aqui

O final dos contos de fadas, segundo a autora, terminam de forma abrupta para trazerem os ouvintes de volta a realidade.

"Vasalisa é uma história da transmissão da bênção do poder da intuição das mulheres de mãe para filha, de uma geração para a outra. Esse enorme poder, o da intuição, tem a rapidez de um raio e é composto de visão interior, audição interior, percepção interior e conhecimento interior."

"A iniciação é representada pelo cumprimento de certas tarefas. Nesse conto, há nove tarefas a serem cumpridas pela psique."

1ª tarefa: Permitir a morte da mãe-boa-demais

A autora fala da morte da mãe de Vasalisa.


As etapas psíquicas desse estágio são:


  • aceitar o fato de que a mãe psíquica protetora, sempre vigilante, não é adequada para ser um guia para a futura vida instintiva da pessoa (a mãe-boa-demais morre).
  • Assumir a realidade de estar só, de desenvolver a própria conscientização quanto ao perigo, às intrigas, à política. 
  • Tornar-se alerta sozinha, para seu próprio proveito; 
  • deixar morrer o que deve morrer. 
O conto fala então dessa primeira etapa da iniciação, que seria perder, sair dos cuidados da "mãe boa demais" e ficar agora sob os cuidados da mãe intuição. No entanto, pode ocorrer interrupção no processo iniciático da mulher por vários motivos, um exemplo que a autora cita é quando houve um excesso de problemas psicológicos no início da vida - "quando não houve a presença uniforme da mãe "suficientemente boa" nos primeiros anos de vida." Ou então quando a mãe superprotege. 

2ª tarefa: Denunciar a natureza sombria

A madrasta e as filhas tornam a vida de Vasalisa uma desgraça.

As tarefas desse período são:


  • aprender ainda com maior conscientização a largar a mãe excessivamente positiva. 
  • Descobrir que ser boazinha, que ser gentil e simpática não fará a vida florir. (Vasalisa torna-se escrava, mas isso de nada adianta.) , isso me lembrou o filme Dogville com Nicole Kidman, que ela cede a todos de uma pequena cidade (Dogville) para ser aceita por eles e no final não é aceita (tem uma parte muito ruim, mas não quero fazer spoiler)
  • Vivenciar diretamente a própria natureza sombria, especialmente os aspectos exploradores, ciumentos e rejeitadores do self (a madrasta e suas filhas). 
  • Incorporar esses aspectos. 
  • Criar o melhor relacionamento possível com as piores partes de si mesma.
  • Deixar acumular a tensão entre quem se aprendeu a ser e quem se é realmente.
  • Trabalhar, afinal, no sentido de deixar morrer o velho self para que nasça o novo self intuitivo.


Nesse momento estou me perguntando como podemos fazer isso... 

Continuando na leitura, algumas partes que destaquei:

"Neste estágio da iniciação, a mulher vê-se acossada por exigências banais da sua psique que a exortam a atender qualquer desejo de qualquer um."


A família da madrasta é como um "coro de megeras" que fica dizendo a todo momento que Vasalisa não é capaz. 

3ª tarefa: Navegar nas trevas

Essa é a parte que Vasalisa anda nas trevas vai até a casa de Baba Yaga. Ela recebe as orientações da boneca. Nesse estágio, são esses as tarefas que a autora evidencia:

  • Consentir em se aventurar a penetrar no local da iniciação profunda (entrada na floresta) e começar a experimentar o sentimento numinoso novo e aparentemente perigoso de estar imersa no poder intuitivo. 
  • Aprender a desenvolver a sensibilidade ao inconsciente misterioso no que se relaciona ao direcionamento e confiar exclusivamente nos próprios sentidos interiores. 
  • Aprender o caminho de volta para a casa da Mãe Selvagem (obedecendo às instruções da boneca. 
  • Aprender a nutrir a intuição (alimentar a boneca). 
  • Deixar que a mocinha frágil e ingênua morra ainda mais. 
  • Transferir o poder para a boneca, ou seja, para a intuição.
A autora vai nos falando do relacionamento entre a mulher e a intuição, que devemos nutrir a intuição e a forma de alimentá-la é ouvindo-a. Devemos prestar atenção à voz interior.

Algumas perguntas feitas pela autora:

  • “Devo ir para esse lado ou para o outro? 
  • Devo ficar ou partir? 
  • Devo resistir ou ser flexível?
  • Devo fugir disso ou correr na sua direção? 
  • Essa pessoa, esse acontecimento, essa empreitada, é verdadeira ou falsa?”


4ª tarefa: Encarar a megera selvagem

É nesse ponto aqui que a Vasalisa encontra-se com a Baba Yaga (megera) pessoalmente, nesse momento, as tarefas a serem realizadas são:

  • Ser capaz de suportar o rosto apavorante da Deusa Selvagem sem hesitar (topar com a Baba Yaga). 
  • Familiarizar-se com o mistério, a estranheza, a “alteridade” do selvagem (residir na casa de Baba Yaga por algum tempo). 
  • Adotar nas nossas vidas alguns dos seus valores, tornando-nos, portanto, também um pouco estranhas (comer seus alimentos). 
  • Aprender a encarar um poder enorme nos outros e subseqüentemente nosso próprio poder.
  • Permitir que a criança frágil e boazinha em excesso vá definhando ainda mais.
A autora fala que o excesso de normalidade vai nos contaminando, tornando nossa nosso cotidiano sem vida e isso estimula a negligência com a intuição. que produz a falta de luz na psique. 

Algumas frases:


"A atitude de respeito diante de um poder extremo é uma lição fundamental."

" A mulher precisa ser capaz de se manter diante do poder, porque em última análise alguma parte desse poder passará às suas mãos."

A Vasalisa se apresenta a Baba Yaga com honestidade, "exatamente como ela é". 

"Muitas mulheres estão se recuperando dos seus complexos de "ser boazinhas", nos quais, independente de como se sentissem, independente do que as acossasse, elas reagiam de uma forma tão doce a ponto de ser praticamente humilhante."

"O inconsciente, ao seu modo brilhante, oferece a quem sonha uma idéia sobre um novo estilo de vida que não se restringe ao sorriso frontal e fácil da mulher "boazinha demais"."

A autora diz que dá medo quando a mulher usa os poderes selvagens.

"Ser forte não significa desenvolver os músculos e exercitá-los. Significa, sim, encontrar nossa própria numinosidade sem fugir, convivendo ativamente com a natureza selvagem ao nosso próprio modo. Significa ser capaz de aprender, e ser capaz de agüentar o que sabemos. Significa manter-se firme e viver."

5ª tarefa - Servir o não racional:

Vasalisa pede fogo, mas a Baba Yaga só vai dar o fogo se a menina cumprir algumas serviços domésticos em troca.

As tarefas psíquicas desse período do aprendizado são:
  • ficar com a Deusa Megera;
  • aclimatar-se às imensas forças selvagens da psique feminina; 
  • Chegar a reconhecer o poder dela (o seu poder) e os poderes das purificações interiores; 
  • limpar, escolher, alimentar, criar energia e idéias (lavar as roupas da Yaga, cozinhar para ela, limpar sua casa e separar os elementos).

"Lavar alguma coisa é um ritual de purificação atemporal. Ele não representa apenas a purificação."

Primeiro é a lavagem de roupas, a roupas é como a persona. Ela diz que as roupas são como nós, se desgastam com o tempo. E lavar é como lavar as fibras do ser. 

1ª tarefa: Lavar roupas

"A tarefa seguinte é a de varrer o casebre e o quintal. Nos contos de fadas do leste europeu, as vassouras muitas vezes são feitas de gravetos de árvores e arbustos, e ocasionalmente das raízes de plantas rijas. O trabalho de Vasalisa consiste em passar esse objeto feito de matérias vegetais sobre o piso da casa e do quintal para manter o local limpo de resíduos. A mulher sábia mantém seu ambiente psíquico organizado. Ela consegue isso mantendo a cabeça limpa, mantendo um local limpo para seu trabalho e se dedicando a completar suas idéias e projetos."

"Varrer o ambiente significa não só começar a valorizar a vida não-superficial, mas também cuidar da sua organização."

"A varredura cíclica evitará que isso ocorra. Quando a mulher dispõe de espaço livre, a natureza selvagem viceja melhor."

2ª tarefa: varrer a casa


Cozinhar para Baba Yaga: "é a paixão que provoca o cozimento, e as idéias significativas da mulher são o alimento que é preparado. Para cozinhar para a Yaga, daremos um jeito para que nossa vida criativa tenha um fogo constante a aquecê-la."

"Seria melhor para a maioria de nós se nos tornássemos mais competentes em vigiar o fogo que está por baixo do nosso trabalho, se observássemos com mais cuidado o processo de cozimento para a nutrição do Self selvagem. Infelizmente, muitas vezes voltamos as costas à panela, ao fogão. Esquecemo-nos de vigiar, esquecemo-nos de acrescentar lenha, esquecemo-nos de mexer."

"Portanto, é o cozimento de novas coisas, novos rumos, da dedicação à nossa arte e ao nosso trabalho que alimenta a alma selvagem permanentemente. É isso mesmo o que nutre a Velha Mãe Selvagem e lhe dá sustento na nossa psique."

3ª tarefa: cozinhar para Baba Yaga

"Vasalisa, através da boneca da intuição, está aprendendo a escolher, a compreender, a manter em
ordem, a limpar e a arrumar o ambiente da psique."

"Os ciclos das mulheres de acordo com as tarefas de Vasalisa são os seguintes:

  • limpar nosso pensamento, renovando nossos valores com regularidade; 
  • eliminar da nossa psique as insignificâncias, varrê-las, 
  • purificar nossos estados de pensamento e sentimento com regularidade. 
  • Acender a fogueira criativa e cozinhar idéias num ritmo sistemático  
  • cozinhar muito para alimentar o relacionamento entre nós mesmos e a natureza selvagem.

6ª tarefa: Separar isso daquilo

Nessa parte, Baba Yaga exige de Vasalisa que ela cumpra as tarefas de separar as coisas.

"As tarefas psíquicas da mulher são as seguintes:


  • aprender a discriminar meticulosamente, a separar as coisas umas das outras com o melhor discernimento,
  • aprender a fazer distinções sutis (ao escolher o milho mofado do milho são e ao selecionar as sementes de papoula de um monte de estrume). 
  • Observar o poder do inconsciente e como ele funciona mesmo quando, o ego não está familiarizado (os pares de mãos que aparecem no ar). 
  • Aprender mais sobre a vida (o milho) e a morte (as sementes de papoula).

"A separação relatada nessa história é do tipo que surge quando nos deparamos com um dilema ou com uma pergunta, mas sem que nos ocorram muitas idéias que nos ajudem a resolver a questão. Se a deixamos em paz, no entanto, e voltamos mais tarde a ela, pode ser que uma boa solução esteja à nossa espera ali onde antes não havia nada. Ou “vá dormir, veja com que vai sonhar”, talvez a velha de dois milhões de anos chegue das trevas para visitá-la."

Agora vou falar de uma das partes que a autora diz ser uma das mais bonitas da história: é quando a Baba Yaga pede para Vasalisa separar o milho bom do milho mofado e as sementes de papoula do estrume, a autora diz que é como se a velha estivesse dizendo ou estimulando a menina a aprender a diferença entre o que faz bem e o que não faz. Entre o que pode causar alegria ou desperdiçar a vida, a diferenciar os medicamentos... 

Esses medicamentos são os remédios para a psique. 

7ª tarefa - Perguntar sobre os mistérios

Nesse momento, a menina consegue realizar todas as tarefas, aí ela pergunta a Baba Yaga sobre os mistérios: o que significa o cavalo branco, vermelho e o branco.

"As perguntas deste estágio são as seguintes: 
  • Perguntar e tentar aprender mais a respeito da natureza da vida-morte-vida e de seu funcionamento (Vasalisa pergunta sobre os cavaleiros). 
  • Aprender a verdade acerca da capacidade de compreender todos os elementos da natureza selvagem ("saber demais pode envelhecer a pessoa antes do tempo")."

8ª tarefa: De pé nas quatro patas

Nessa parte da história, Baba Yaga sente repulsa pelo fato de Vasalisa ter recebido a benção da mãe e manda a menina embora com o fogo saindo de uma caveira.

"As tarefas desta parte da história são as seguintes: 
  • assumir um poder imenso de ver e afetar os outros (o recebimento da caveira). 
  • Ver as situações da própria vida com essa nova luz (descobrir o caminho de volta à família da madrasta).
9ª tarefa: reformular a sombra

Vasalisa volta para casa, no meio do caminho sente medo e pensa em jogar fora a caveira com o fogo... Mas a caveira a tranquiliza. Quando chega em casa a caveira vê a madrasta e as irmãs de Vasalisa e as queima por dentro, de manhã, antes do amanhecer, elas três viraram cinzas...

"São as seguintes as tarefas desse estágio: 

  • usar a própria visão aguçada (os olhos incandescentes) para reconhecer a sombra negativa da nossa própria psique e/ou os aspectos negativos das pessoas e acontecimentos do mundo exterior bem como para reagir a eles. 
  • Reformular as sombras negativas da própria psique com o fogo-da-megera (a perversa família da madrasta, que anteriormente torturava Vasalisa, é reduzida a cinzas).

"Por um momento, Vasalisa sente medo do poder que carrega e pensa em jogar fora a caveira luminosa. Com esse poder formidável às suas ordens, não é de surpreender que ocorra ao seu ego que talvez fosse melhor, mais fácil, mais seguro, livrar-se dessa luz ardente, tendo em vista seu valor e o valor que Vasalisa adquiriu com ela. No entanto, uma voz sobrenatural de dentro da caveira recomenda que ela fique calma e siga em frente. E isso ela consegue fazer."

"Não obstante, há horas em que suas informações são dolorosas e quase insuportáveis; pois a caveira aponta para o lugar onde se trama a traição, onde a coragem falta àqueles que dizem o contrário. Ela denuncia a inveja oculta como gordura fria por trás de um sorriso de carinho. Ela indica os olhares que são meras máscaras para a aversão. No que diz respeito a nós mesmas, sua luz brilha com a mesma intensidade: ela ilumina nossos tesouros bem como nossas fraquezas."

"Não podemos manter a conscientização adquirida no encontro com a Deusa Megera e ao transportar a luz incandescente, se convivermos com seres cruéis interna ou externamente. Se estivermos cercadas de pessoas que reviram os olhos e olham para o teto demonstrando repulsa quando estamos por perto, quando falamos, agimos e reagimos, isso é um sinal de que estamos com pessoas que abafam as paixões — as nossas e provavelmente também as delas mesmas. Não são pessoas que liguem para nós, para nosso trabalho, para nossa vida."

A autora faz um exemplo de bufê com várias comidas em cima, a gente pode olhar para essas comidas e pensar: vou comer um pedaço disso, mais um pouco disso e daquilo. Mas será que a gente queria comer aquilo mesmo ou só sentimos vontade por estava a nossa vista? O melhor será a gente fazer a pergunta: "Estou com fome de quê?", e ir atrás disso que queremos.

E, finalizando, "deixar morrer é o tema do final da história. Vasalisa aprendeu sua lição. Ela cai numa crise histérica quando a caveira faz arder as mulheres perversas? Não. O que deve morrer morre."

Para ler o conto Vasalisa clique aqui

Outras partes do livro Mulheres que correm com os lobos, clique nos links:
Introdução
Capítulo 1 - La Loba
Capítulo 2 - Barba Azul



domingo, 27 de agosto de 2017

Conto Vasalisa

Vasalisa

Era uma vez, e não era uma vez, uma jovem mãe que jazia no seu leito de morte, com o rosto pálido como as rosas brancas de cera na sacristia da igreja dali de perto. Sua filhinha e seu marido estavam sentados aos pés da sua velha cama de madeira e oravam para que Deus a conduzisse em segurança até o outro mundo.

A mãe moribunda chamou Vasalisa, e a criança de botas vermelhas e avental branco ajoelhou-se ao lado da mãe.
— Essa boneca é para você, meu amor — sussurrou a mãe, e da coberta felpuda ela tirou uma bonequinha minúscula que, como a própria Vasalisa, usava botas vermelhas, avental branco, saia preta e colete todo bordado com linha colorida.


— Estas são as minhas últimas palavras, querida — disse a mãe. — Se você se perder ou precisar de ajuda, pergunte à boneca o que fazer. Você receberá ajuda. Guarde sempre a boneca. Não fale a ninguém sobre ela. Dê-lhe de comer quando ela estiver com fome. Essa é a minha promessa de mãe para você, minha bênção, querida. — E, com essas palavras, a respiração da mãe mergulhou nas profundezas do seu corpo, onde recolheu sua alma, e saiu correndo pelo lábios; e a mãe morreu.

A criança e o pai choraram sua morte muito tempo. No entanto, como o campo arrasado pela guerra, a vida do pai voltou a verdejar por entre os sulcos e ele desposou uma viúva com duas filhas. Embora a nova madrasta e suas filhas fossem gentis e sorrissem como damas, havia algo de corrosivo por trás dos sorrisos que o pai de Vasalisa não percebia.

Realmente, quando as três estavam sozinhas com Vasalisa, elas a atormentavam, forçavam-na a lhes servir de criada, mandavam-na cortar lenha para que sua pele delicada se ferisse. Elas a detestavam porque Vasalisa tinha uma doçura que não parecia deste mundo. Ela era também muito bonita. Seus seios eram fartos, enquanto os delas definhavam de maldade. Ela era solícita e não se queixava,
enquanto a madrasta e as duas filhas eram, entre si mesmas, como ratos no monte de lixo à noite.
Um dia a madrasta e suas filhas simplesmente não conseguiam mais agüentar Vasalisa.
— Vamos... combinar de deixar o fogo se apagar e, então, vamos mandar Vasalisa entrar na floresta para ir pedir fogo para nossa lareira a Baba Yaga, a bruxa. E, quando ela chegar até Baba Yaga, bem, a velha irá matá-la e comê-la. — As três bateram palmas e guincharam como animais que vivem na escuridão.

Por isso, naquela noite, quando Vasalisa voltou para casa depois de catar lenha, a casa estava completamente às escuras. Ela ficou muito preocupada e falou com a madrasta.
— O que aconteceu? Como vamos fazer para cozinhar? O que vamos fazer para iluminar as trevas?
— Sua imbecil — reclamou a madrasta. — É claro que não temos fogo. E eu não posso sair para o bosque devido à minha idade. Minhas filhas não podem ir porque têm medo. Você é a única que tem condições de sair floresta adentro para encontrar Baba Yaga e conseguir dela uma brasa para acender nosso fogo de novo.
— Ora, está bem — respondeu Vasalisa inocente. — É o que vou fazer. — E foi mesmo. A floresta ia ficando cada vez mais escura, e os gravetos estalavam sob seus pés, deixando assustada. Ela enfiou a mão bem fundo no bolso do avental e ali estava a boneca que a mãe ao morrer lhe havia dado.
— Só de tocar nessa boneca, já me sinto melhor — disse Vasalisa, acariciando a boneca no bolso.
— A cada bifurcação da estrada, Vasalisa enfiava a mão bolso e consultava a boneca. “Bem, eu devo ir para a esquerda ou para direita?” A boneca respondia “Sim”, “Não”, “Para esse lado” ou “Para aquele lado”. E Vasalisa dava à boneca um pouco de pão enquanto ia caminhando, seguindo o que sentia estar emanando da boneca.

Homem no cavalo branco


De repente, um homem de branco num cavalo branco passou galopando, e o dia nasceu. Mais adiante, um homem de vermelho passou montado num cavalo vermelho, e o sol apareceu. Vasalisa caminhou e caminhou e, bem na hora em que estava chegando ao casebre de Baba Yaga, um cavaleiro vestido de negro passou trotando e entrou direto no casebre. Imediatamente fez-se noite.

Homem no cavalo vermelho


A cerca feita de caveiras e ossos ao redor da choupana começou a refulgir com um fogo interno de tal
forma que a clareira ali na floresta ficou iluminada com uma luz espectral.



Ora, Baba Yaga era uma criatura muito temível. Ela viajava, não num coche, nem numa carruagem, mas num caldeirão com o formato de um gral que voava sozinho. Ela remava esse veículo com um remo que parecia um pilão e o tempo todo varria o rastro por onde passava com uma vassoura feita do cabelo de alguém morto há muito tempo.

E o caldeirão veio voando pelo céu, com o próprio cabelo sebento de Baba Yaga na esteira. Seu queixo comprido curvado para cima e seu longo nariz era curvado para baixo de modo que os dois se encontravam a meio caminho. Baba Yaga tinha um ínfimo cavanhaque branco e verrugas na pele adquiridas de seus contatos com sapos. Suas unhas manchadas de marrom eram grossas e estriadas como telhados, e tão compridas e recurvas que ela não conseguia fechar a mão.



Ainda mais estranha era a casa de Baba Yaga. Ela ficava em cima de enormes pernas de galinha, amarelas e escamosas, e andava de um lado para o outro sozinha. Ela às vezes girava e girava como uma bailarina em transe. As cavilhas nas portas e janelas eram feitas de dedos humanos, das mãos e dos pés e a tranca da porta da frente era um focinho com muitos dentes pontiagudos. Vasalisa consultou sua boneca. "E essa casa que procuramos?" E a boneca, a seu modo, respondeu: "É, é essa a que procuramos." E antes que ela pudesse dar mais um passo. Baba Yaga no seu caldeirão desceu sobre Vasalisa, aos gritos.
— O que você quer?
— Vovó, vim apanhar fogo — respondeu a menina, estremecendo. — Está frio na minha casa... o meu pessoal vai morrer... preciso de fogo.
— Ah, sssssei — retrucou Baba Yaga, rabugenta. — Conheço você e o seu pessoal. Bem, criança inútil... você deixou o fogo se apagar. O que é muita imprudência. Além do mais, o que a fez pensar que eu lhe daria a chama?
— Porque eu estou pedindo — respondeu rápido Vasalisa depois de consultar a boneca.
— Você tem sorte — ronronou Baba Yaga. — Essa é a resposta certa.
E Vasalisa se sentiu com muita sorte por ter acertado a resposta. Baba Yaga, porém, a ameaçou.
— Não há a menor possibilidade de eu lhe dar o fogo antes de você fazer algum trabalho para mim. Se você realizar essas tarefas para mim, receberá o fogo. Se não...
— E nesse ponto Vasalisa viu que os olhos de Baba Yaga de repente se transformavam em brasas. — Se não, minha filha, você morrerá.

E assim Baba Yaga entrou pesadamente no casebre, deitou-se na cama e mandou que Vasalisa lhe trouxesse a comida que estava no forno. No forno havia comida suficiente para dez pessoas, e a Yaga comeu tudo, deixando uma pequena migalha e um dedal de sopa para Vasalisa. Lave minha roupa, varra a casa e o quintal, prepare minha comida, separe o milho mofado do milho bom e certifique-se de que tudo está em ordem. Volto mais tarde para inspecionar seu trabalho. Se tudo não estiver pronto, você será meu banquete. — E com isso a Baba Yaga partiu voando no seu caldeirão com o nariz lhe servindo de biruta e o cabelo, de vela. E anoiteceu novamente.
— Vasalisa voltou-se para a boneca assim que a Yaga se foi.
 — O que vou fazer? Vou conseguir cumprir as tarefas a tempo? — A boneca disse que sim e recomendou que ela comesse algo e fosse dormir. Vasalisa deu algo de comer à boneca também e adormeceu.

Pela manhã, a boneca havia feito todo o trabalho, e só faltava preparar a refeição. À noite, a Yaga voltou e não encontrou nada por fazer. Satisfeita, de certo modo, mas irritada por não conseguir encontrar nenhuma falha, Baba Yaga zombou de Vasalisa.
— Você é uma menina de sorte. — Ela, então, convocou seus fiéis criados para moer o milho, e três pares de mãos apareceram em pleno ar e começaram a raspar e esmagar o milho. Os resíduos pairavam no ar como uma neve dourada. Finalmente, o serviço terminou, e Baba Yaga se sentou para comer. Comeu horas a fio e deu ordens a Vasalisa para que no dia seguinte limpasse a casa, varresse o quintal e lavasse a roupa.

Três pares de mãos

— Naquele monte de estrume — disse a Yaga, apontando para um enorme monte de estrume no quintal — há muitas sementes de papoula, milhões de sementes de papoula. Amanhã quero encontrar um monte de sementes de papoula e um monte de estrume, completamente separados um do outro. Compreendeu?
— Meu Deus, como vou fazer isso? — exclamou Vasalisa, quase desmaiando.
— Não se preocupe, eu me encarrego — sussurrou a boneca, quando a menina enfiou a mão no bolso.

Naquela noite. Baba Yaga adormeceu roncando, e Vasalisa tentou... catar... as... sementes de papoula... do... meio... do... estrume.
— Durma agora — disse-lhe a boneca, depois de algum tempo. — Tudo vai dar certo.
Mais uma vez, a boneca executou todas as tarefas e, quando a velha voltou, tudo estava pronto.
— Ora, ora! Que sorte a sua de conseguir acabar tudo! — disse Baba Yaga, falando sarcástica pelo nariz. Ela chamou seus fiéis criados para prensar o óleo das sementes, e novamente três pares de mãos apareceram e cumpriram a tarefa. Enquanto a Yaga estava besuntando os lábios na gordura;
do cozido, Vasalisa ficou parada por perto.
— E aí, o que é que você está olhando? — perguntou Baba Yaga, de mau humor.
— Posso lhe fazer umas perguntas, vovó? — perguntou Vasalisa.
— Pergunte — ordenou a Yaga —, mas lembre-se, saber demais envelhece as pessoas antes do tempo.
Vasalisa perguntou quem era o homem de branco no cavalo branco.
— Ah — respondeu a Yaga, com carinho. — Esse primeiro é o meu Dia.
— E o homem de vermelho no cavalo vermelho?
— Ah, esse é o meu Sol Nascente.
— E o homem de negro no cavalo negro?
— Ah, sim, esse é o terceiro e ele é a minha Noite.
— Entendi — disse Vasalisa.
— Vamos, vamos, minha criança. Não quer me fazer mais perguntas? — sugeriu a Yaga, manhosa.
Vasalisa estava a ponto de perguntar sobre os pares de mãos que apareciam e desapareciam, mas a boneca começou a saltar dentro do bolso e, em vez disso, Vasalisa respondeu.
— Não, vovó. Como a senhora mesma diz, saber demais pode envelhecer a pessoa antes da hora.
— É — disse a Yaga, inclinando a cabeça como um passarinho —, você é muito ajuizada para a sua idade, menina. Como conseguiu isso?
— Foi a bênção da minha mãe — disse Vasalisa, com um sorriso.
— Bênção?! — guinchou Baba Yaga. — Bênção?! Não precisamos de bênção nenhuma aqui nesta casa. É melhor você procurar seu caminho, filha. — E foi empurrando Vasalisa para o lado de fora. — Vou lhe dizer uma coisa, menina. Olhe aqui! — Baba Yaga tirou uma caveira de olhos candentes da cerca e a enfiou numa vara. — Pronto! Leve esta caveira na vara até sua casa. Isso! Esse é o seu fogo. Não diga mais uma palavra sequer. Só vá embora.

Vasalisa ia agradecer à Yaga, mas a bonequinha no fundo do bolso começou a saltar para cima e para baixo, e Vasalisa percebeu que devia só apanhar o fogo e ir embora. Ela voltou correndo para casa, seguindo as curvas e voltas da estrada com a boneca lhe indicando o caminho. Era noite, e Vasalisa atravessou a floresta com a caveira numa vara, com o brilho do fogo saindo pelos buracos dos ouvidos, dos olhos, do nariz e da boca. De repente, ela sentiu medo dessa luz espectral e pensou em jogála fora, mas a caveira falou com ela, insistindo para que se acalmasse e prosseguisse
para a casa da madrasta e das filhas.



Quando Vasalisa ia se aproximando da casa, a madrasta e suas filhas olharam pela janela e viram uma luz estranha que vinha dançando pela mata. Cada vez chegava mais perto. Elas não podiam imaginar o que aquilo seria. Já haviam concluído que a longa ausência de Vasalisa indicava que ela a essa altura estava morta, que seus ossos haviam sido carregados por animais, e que bom que ela havia
desaparecido!

Vasalisa chegava cada vez mais perto de casa. E, quando a madrasta e suas filhas viram que era ela, correram na sua direção dizendo que estavam sem fogo desde que ela havia saído e que, por mais que tentassem acender um, ele sempre se extinguia.

Vasalisa entrou na casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido à sua perigosa jornada e por ter trazido o fogo para casa. No entanto, a caveira na vara ficou observando cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. Antes de amanhecer, ela havia reduzido a cinzas aquele trio perverso.

Do livro Mulheres que correm com os lobos.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Barba Azul, nossa autossabotagem

A tocaia do intruso: O princípio da iniciação




Eita... Agora vamos para um capítulo e tanto... Esse é um capítulo que fala do conto do Barba Azul, leiam o conto, gente... Ajuda: Segue o link: Conto Barba Azul

O título do capítulo é: “A tocaia do intruso: o princípio da iniciação”, vamos dividir esse título ao meio e destrinchar o que a dra Clarissa interpretou do conto! 

A primeira parte do título fala sobre a tocaia do intruso e o que é isso? Tocaia é o mesmo que armadilha, engano, carapuça... intruso é tudo o que não é bem vindo. Isso se refere ao Barbazul, que a Clarissa chamou de O PREDADOR NATURAL DA PSIQUE. 
Agora imagine o que é um predador: é aquele que come os mais fracos, ele devora a carne dos mais inferiores na cadeia alimentar. Natural porquē ele é inato. Ele nasce com a gente e da psique, porquê ele está presente dentro da nossa mente! 

Então o Barbazul é esse predador que está dentro da nossa mente e ele se alimenta da nossa fraqueza, desesperança, desassossego e frustrações. Como é que a mulher que deseja desenvolver o seu lado selvagem deve reagir para vencer esse predador? Para contê-lo e impedir que ele a destrua? Ficando de posse dos seus poderes instintivos: insigth, intuição, percepção, tenacidade no amor, cura intuitiva, cuidado com o próprio fogo criativo, visão e audição apuradas. 


Com quem é que o Barbazul se casa? Com as irmãs mais velhas que já tem os seus sistemas de alerme todos ligados ou com a mais nova, que ainda é bem ingênua? Com a mais nova! Ela é presa fácil! Ela apesar de ter percebido que tinha algo estranho, não respeitou sua percepção. Ao invés disso ela pensou: até que a barba dele não é tão azul assim... e assim enganou a si própria. 



E como é essa armadilha, essa tocaia que o Barbazul criou? Ele oferece tudo para a esposa, exceto a chave do CONHECIMENTO. Aquela que vai permitir que a mulher saiba onde está pisando e tenha conhecimento de todos os fatos, e ai no livro a Clarissa fala assim:

E quando o Barba-azul sai em viagem, a jovem não percebe que, embora ele a exorte a fazer tudo o que desejar — com exceção daquela única proibição —, ela está vivendo menos, não mais. ”

E é essa a prisão, muitas vezes, guiadas pelos desejos do ego, a mulher escolhe armadilhas.


Pois bem, a gente já falou da primeira parte do título: A TOCAIA DO INTRUSO. Agora vamos falar da segunda parte: O PRINCÍPIO DA INICIAÇÃO. 

O que é iniciação? É passar de um estado de conhecimento ou comportamento para outro estado. E esse processo de iniciação é necessário para a nossa individuação. A individuação é a busca da nossa totalidade plenitude. 

E no conto a figura do quarto escuro, com cadáveres e sangue, representa o processo iniciático da mulher. Ela vai passar do estado de ingenuidade para o de conhecimento! E ai inicia o seu processo de individuação. 




Então a Clarissa fala que a mulher "não deve ter medo de investigar o pior. Isso só lhe garante um aumento no poder da sua alma.  Mas deve ir com cuidado para não ficar presa." 

E como podemos fazer isso, segue as instruções:



"Enfraquecemos os ataques do predador natural levando a sério o que for verdade no que ele disser, trabalhando com essas verdades e ignorando o resto."

Ficamos mais fortes e impetuosas se usarmos o que for útil desse predador e descartar o resto, exemplo:

RAIVA: utilizar para fazer algo importante para o mundo;

ASTUCIA: investigar e compreender as coisas de forma distanciada;

INSTINTO ASSASSINO: para matar aquilo que não é bom dentro da gente; 




"A cura, tanto para a mulher ingênua quanto para a que teve os instintos fragilizados, é a mesma: tente prestar atenção à sua intuição, à sua voz interior; faça perguntas; seja curiosa; veja o que estiver vendo; ouça o que estiver ouvindo; e então aja com base no que sabe ser verdade."




Boa leitura!!

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introdução
capítulo 1

sábado, 19 de agosto de 2017

Conto Barba Azul

Barba-Azul



Existe uma mecha de barba que fica guardada no convento das freiras brancas nas montanhas distantes. Como chegou até o convento, ninguém sabe. Uns dizem que foram as freiras que enterraram o que sobrou do seu corpo, já que ninguém mais se dispunha a nele tocar. Desconhece-se o motivo pelo qual as freiras iriam guardar uma relíquia dessa natureza, mas é verdade. Uma amiga de uma amiga minha viu com seus próprios olhos. Ela diz que a barba é azul, da cor do índigo para ser exata. É tão azul quanto o gelo escuro no lago, tão azul quanto a sombra de um buraco à noite.
Essa barba pertenceu um dia a alguém de quem se dizia ser um mágico fracassado, um homem gigantesco com uma queda pelas mulheres, um homem conhecido pelo nome de Barba-azul.

Dizia-se que ele cortejava três irmãs ao mesmo tempo. As moças tinham, porém, pavor de sua barba com aquele estranho reflexo azul e, por isso, se escondiam quando ele chamava. Num esforço para convencê-las da sua cordialidade, ele as convidou para um passeio na floresta. Chegou conduzindo cavalos enfeitados com sinos e fitas cor-de-carmim. Acomodou as irmãs e a mãe nos cavalos, e partiram a meio-galope floresta adentro. Lá passaram um dia maravilhoso cavalgando, e seus
cães corriam a seu lado e à sua frente. Mais tarde, pararam debaixo de uma árvore gigantesca, e o Barba-azul as regalou com histórias e lhes serviu guloseimas. “Bem, talvez esse Barba-azul não seja um homem tão mau assim”, começaram a pensar as irmãs. Voltaram para casa tagarelando sobre como o dia havia sido interessante e como haviam se divertido. Mesmo assim, as suspeitas e temores das duas irmãs mais velhas voltaram, e elas juraram que não veriam o Barba-azul de novo. A irmã mais nova, no entanto, achou que, se um homem podia ser tão encantador, talvez ele não fosse tão mau. Quanto mais ela falava consigo mesma, menos assustador ele lhe
parecia, e sua barba também parecia ser menos azul.

Portanto, quando o Barba-azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou. Ela havia refletido muito sobre a sua proposta e concluído que ia se casar com um homem muito distinto. Foi assim que se casaram e, em seguida, partiram para seu castelo no bosque.
— Vou precisar viajar por algum tempo — disse ele um dia à mulher. —
Convide sua família para vir aqui se quiser. Você pode cavalgar nos bosques, mandar os cozinheiros prepararem um banquete, pode fazer o que quiser, qualquer desejo que seu coração tenha. Para você ver, tome minhas chaves. Pode abrir toda e qualquer porta das despensas, dos cofres, qualquer porta do castelo; mas essa chavinha, a que tem no alto uns arabescos, você não deve usar.


— Está bem, vou fazer o que você pediu. Parece que está tudo certo. Portanto, pode ir, meu querido, não se preocupe e volte logo. — E assim ele partiu, e ela ficou. Suas irmãs vieram visitá-la e elas sentiam, como todo mundo, muita curiosidade a respeito das instruções do dono da casa quanto ao que deveria ser feito enquanto ele estivesse fora. A jovem esposa falou alegremente.
— Ele disse que podemos fazer o que quisermos e entrar em qualquer aposento que desejarmos, com exceção de um. Só que eu não sei qual é esse aposento. Só tenho uma chave e não sei que porta ela abre.
As irmãs resolveram fazer um jogo para ver que chave servia em que porta. O castelo tinha três andares, com cem portas em cada ala, e como havia muitas chaves no chaveiro, elas iam de porta em porta, divertindo-se imensamente ao abrir cada uma delas. Atrás de uma porta, havia uma despensa para mantimentos, atrás de outra, um depósito de dinheiro. Todos os tipos de bens estavam atrás das portas, e tudo parecia maravilhoso o tempo todo. Afinal, depois de verem todas aquelas maravilhas, elas acabaram chegando ao porão e, ao final do corredor, a uma parede fechada. Ficaram intrigadas com a última chave, a que tinha o pequeno arabesco.
— Talvez essa chave não sirva para abrir nada. — Enquanto diziam isso, ouviram um ruído estranho — errrrrrrrr. — Deram uma espiada na esquina do corredor e — que surpresa! — havia uma pequena porta que acabava de se fechar. Quando tentaram abri-la, ela estava trancada.
— Irmã, irmã, traga sua chave — gritou uma delas. — Sem dúvida é essa a porta para aquela chavinha misteriosa. Sem pestanejar, uma das irmãs pôs a chave na fechadura e a girou. O trinco rangeu, a porta abriu-se, mas lá dentro estava tão escuro que nada se via.
— Irmã, irmã, traga uma vela. — Uma vela foi acesa e mantida no alto um pouco para dentro do aposento, e as três mulheres gritaram ao mesmo tempo, porque no quarto havia uma enorme poça de sangue; ossos humanos enegrecidos estavam jogados por toda a parte e crânios estavam empilhados nos cantos como pirâmides de maçãs.



Elas fecharam a porta com violência, arrancaram a chave da fechadura e se apoiaram umas nas outras arquejantes, com o peito arfando. Meu Deus! Meu Deus! A esposa olhou para a chave e viu que ela estava manchada de sangue. Horrorizada, usou a saia para limpá-la, mas o sangue prevaleceu.
— Oh, não! — exclamou. Cada uma das irmãs apanhou a chave minúscula nas mãos e tentou fazer com que voltasse ao que era antes, mas o sangue não saía.
A esposa escondeu a chavinha no bolso e correu para a cozinha. Quando lá chegou, seu vestido branco estava manchado de vermelho do bolso até a bainha pois a chave vertia lentamente lágrimas de sangue vermelho-escuro.
— Rápido, rápido, dê-me um esfregão de crina — ordenou ela à cozinheira.
Esfregou a chave com vigor, mas nada conseguia deter seu sangramento. Da chave minúscula transpirava uma gota após outra de sangue vermelho. Ela levou a chave para fora, tirou cinzas do fogão a lenha, cobriu a chave de cinzas e esfregou mais. Colocou-a no calor do fogo para cauterizá-la. Pôs teia de aranha nela para estancar o fluxo, mas nada conseguia deter as lágrimas de sangue.
— Ai, o que vou fazer? — lamentou-se ela. — Já sei, vou guardar a chave. Vou
colocá-la no guarda-roupa e fechar a porta. Isso é um pesadelo. Tudo vai dar certo. —
E foi o que fez.

O marido chegou de volta exatamente na manhã do dia seguinte e entrou no
castelo já procurando pela esposa.
— E então, como foram as coisas enquanto eu estive fora?
— Tudo correu bem, senhor.
— Como estão minhas despensas? — trovejou o marido.
— Muito bem, senhor.
— E como estão meus depósitos de dinheiro? — rosnou ele.
— Os depósitos de dinheiro também estão bem, senhor.
— Então, tudo está certo, esposa?
— É, tudo está certo.
— Bem — sussurrou ele —, então é melhor devolver minhas chaves.
Com um relancear de olhos, ele percebeu a falta de uma chave.
— Onde está a menorzinha?
— Eu... eu a perdi. É, eu a perdi. Estava passeando a cavalo, o chaveiro caiu e eu devo ter perdido uma chave.
— O que você fez com ela, mulher?
— Não... não me lembro.
— Não minta para mim! Diga-me o que fez com aquela chave!
Ele tocou seu rosto como se fosse lhe fazer um carinho, mas em vez disso a segurou pelos cabelos.
— Sua traidora! — rosnou, jogando-a ao chão. — Você entrou naquele quarto, não entrou?


Ele abriu o guarda-roupa com brutalidade e a pequena chave na prateleira de cima havia sangrado, manchando de vermelho todos os belos vestidos de seda que estavam pendurados.
— Chegou a sua vez, minha querida — berrou ele, arrastando-a pelo corredor e pelo porão adentro até pararem diante da terrível porta. O Barba-azul apenas olhou para a porta com seus olhos enfurecidos, e ela se abriu para ele. Ali jaziam os esqueletos de todas as suas esposas anteriores.
— Vai ser agora!!! — rugiu ele, mas ela se agarrou ao batente da porta sem largar, implorando por clemência.
— Por favor, permita que eu me acalme e me prepare para a morte. Conceda-me quinze minutos antes de me tirar a vida para que eu possa me reconciliar com Deus.
— Está bem — rosnou ele. — Você tem seus quinze minutos, mas prepare-se.

A esposa correu escada acima até seus aposentos e determinou que suas irmãs fossem para as muradas do castelo. Ajoelhou-se para rezar, mas, em vez de rezar, gritou para as irmãs.
— Irmãs, irmãs, vocês estão vendo a chegada dos nossos irmãos?
— Não vemos nada, nada na planície nua. A cada instante ela gritava para as muradas.
— Irmãs, irmãs, estão vendo nossos irmãos chegando?
— Vemos um redemoinho, talvez um redemoinho de areia bem longe.
Enquanto isso, o Barba-azul esbravejava para que sua esposa descesse até o porão para ser decapitada.
— Irmãs, irmãs! Estão vendo nossos irmãos chegando? — gritou ela mais uma vez.
O Barba-azul berrou novamente pela esposa e veio subindo a escada de pedra com passos pesados.
— Estamos, estamos vendo nossos irmãos — exclamaram as irmãs. — Eles estão aqui e acabam de entrar no castelo.

O Barba-azul vinha pelo corredor na direção dos aposentos da esposa.
— Vim apanhá-la — gritou ele. Suas passadas eram pesadas; as pedras no piso se soltavam; a areia da argamassa caía esfarinhada no chão.
No instante em que o Barba-azul entrou nos aposentos com as mãos esticadas para agarrá-la, seus irmãos chegaram galopando pelo corredor do castelo ainda montados, entrando assim no quarto. Ali eles encurralaram o Barba-azul fazendo com que saísse até a balaustrada. E ali mesmo, com suas espadas, avançaram contra ele, golpeando e cortando, fustigando e retalhando, até derrubá-lo ao chão, matando-o afinal e deixando para os abutres o que sobrou dele.

Link para voltar ao artigo sobre este conto:

Um pouco a mais...

Links para acesso a outros artigos sobre esse livro:

Introdução do Livro Mulheres que correm com os lobos

Capítulo 1 do Livro Mulheres que correm com os lobos

Capítulo 1 - Mulheres que correm com os lobos

O uivo: A ressurreição da Mulher Selvagem



O capítulo 1 é um dos mais curtos, eu pude entender dele que você tem que entrar nas histórias pra poder entender melhor e usar em sua vida, o conto é a história dos rabinos, que é bem curtinha,  e eu desejo ser aquele que toca flautas! rsrs

Poderia finalizar o artigo aqui... Mas não foi só isso que ela nos disse! Com a ajuda dos podcasts Talvez seja isso de Mariana e Bárbara (procurem no Youtube ou no próprio aplicativo de podcasts) deu pra aprender bem mais coisas desse capítulo, que fala sobre a ressureição da mulher Lobo!

"Osso a osso, fio a fio de cabelo, a Mulher Selvagem vem voltando. Através de sonhos noturnos, de acontecimentos mal compreendidos e parcialmente esquecidos, a Mulher Selvagem vem chegando. Ela volta através das histórias."

Nesse momento, descobri que o conto central do livro é "La Loba" e não os "Os quatro rabinos", sério, passei pelo conto e não percebi ser uma história a mais! Por isso acho legal ter que escrever aqui no blog, ao tentar fazer uma síntese, eu acabo entendendo mais... rsrs

Coloco aqui o link pro conto La Loba , recomendo muito que leiam o conto antes de continuarem...




As partes que foram me comovendo do capítulo foram:

"Todos nós começamos como um feixe de ossos perdido em algum ponto num deserto, um esqueleto desmantelado que jaz debaixo da areia. É nossa responsabilidade recuperar suas partes. Trata-se de um processo laborioso que é mais bem executado quando as sombras estão exatamente numa certa posição, porque exige muita atenção. La Loba indica o que devemos procurar — a indestrutível força da vida, os ossos."

Cantar significa usar a voz da alma.

La Loba preserva a tradição feminina.

La Loba, a velha, Aquela Que Sabe, está dentro de nós.

"Embora esse local transmita imensa riqueza psíquica, ele não deve ser abordado sem antes alguma preparação, pois é grande a tentação de nos afundarmos alegremente no prazer de nossa estada ali. A realidade consensual pode, em comparação, parecer menos interessante. Nesse sentido, essas camadas mais profundas da psique podem se transformar numa armadilha de êxtase, da qual as pessoas voltam sem equilíbrio, com ideias duvidosas e pressentimentos impalpáveis. Não é assim que deve ser. A pessoa que volta deve estar completamente purificada ou ter sido mergulhada numa água revitalizante e inspiradora, algo que deixe na nossa pele o perfume do que é sagrado."

"Cada mulher tem acesso potencial ao Rio Abajo Rio, esse rio por baixo do rio.Ela chega até ele através da meditação profunda, da dança, da arte de escrever, de pintar, de rezar, de cantar, de tamborilar, da imaginação ativa ou de qualquer atividade que exija uma intensa alteração da consciência."

"O cuidado com que se deve penetrar nesse estado psíquico está registrado numa história curta porém eloqüente acerca de quatro rabinos que ansiavam por ver a sagrada Roda de Ezequiel."

Como o conto dos 4 rabinos é bem curtinho irei colocar aqui mesmo...

"Os quatro rabinos
Uma noite quatro rabinos receberam a visita de um anjo que os acordou e os levou para a Sétima Abóbada do Sétimo Céu. Ali eles contemplaram a sagrada Roda de Ezequiel.
Em algum ponto da descida do Pardes, Paraíso, para a Terra, um rabino, depois de ver tanto esplendor, enlouqueceu e passou a perambular espumando de raiva até o final dos seus dias. O segundo rabino teve uma atitude extremamente cínica. "Ah, eu só sonhei com a Roda de Ezequiel, só isso. Nada aconteceu de verdade!' O terceiro rabino falava incessantemente no que havia visto, demonstrando sua total obsessão. Ele pregava e não parava de falar no projeto da Roda e no que
tudo aquilo significava... e dessa forma ele se perdeu e traiu sua fé. O quarto rabino, que era poeta, pegou um papel e uma flauta, sentou-se junto à janela e começou a compor uma canção atrás da outra elogiando a pomba do anoitecer, sua filha no berço e todas as estrelas do céu. E daí em diante ele passou a viver melhor."

Lá no sítio eu estava lendo e fiz esse esquema aqui abaixo...

Por enquanto, acho que estou meio na fase 3 de obsessão (risos). Esse livro tem me feito um bem danado que tenho falado pra minha irmã, tia, amigas... Enfim, compartilhado. Mas tentaremos ser 4, né?

Enfim, continuando a leitura... Outras partes f*d@s:

  • A história recomenda que a melhor atitude para vivenciar o inconsciente profundo é a do fascínio sem exagero ou retraído, sem excessos de admiração ou de cinismo; com coragem, sim, mas sem imprudência.
  • Essa é a nossa técnica de meditação enquanto mulheres, a evocação de aspectos mortos e desagregados de nós mesmas, a evocação de aspectos mortos e desagregados da própria vida.
  • Nossa tarefa reside em captar a situação temporal de cada um: permitir a morte àquilo que deve morrer, e a vida ao que deve viver.
  • Quando La Loba canta, ela está cantando a partir do saber contido nos ovários, um conhecimento que vem das profundezas do corpo, do fundo da mente, do fundo da alma.
  • Muitas mulheres com quem trabalhei durante todos esses anos começavam sua primeira sessão com alguma variação em torno da seguinte frase: "Bem, não me sinto mal, mas também não me sinto bem." Para mim, essa condição não é um mistério tão grande assim. Sabemos que ela tem como origem uma falta de esterco. A cura? La Loba. Descubram a mulher de dois milhões de anos. Ela é quem cuida do que já morreu e do que está morrendo nas mulheres. Ela é o caminho entre os vivos e os mortos. É ela quem canta os hinos da criação sobre os ossos.
  • Os ossos representam a força indestrutível;
  • Dentro de nós estão os ossos espirituais da Mulher Selvagem. Dentro de nós está o potencial de readquirir nossa carne, como a criatura que um dia fomos.
  • La Loba, é a guardiã da alma. Sem ela, perdemos nossa forma.

Para finalizar o capítulo, Clarissa usa a simbologia do deserto. Ela diz que como a La Loba, nós quase sempre começamos num deserto, temos sensação "de perda de direitos, de alienação, de não estarmos vinculadas nem mesmo a uma moita de cactos." E ela diz que os antigos diziam ser o deserto o lugar de revelação divina, realmente agora lembrando dos relatos da Bíblia foi no deserto que Jesus foi tentado e posto à prova... E a autora relata que muitas de nós vivemos vidas desérticas: "ínfimas na superfície e imensas por baixo". 

Leia com atenção esses 3 parágrafos abaixo:

A psique de uma mulher pode ter chegado ao deserto em virtude da ressonância, devido a crueldades passadas ou por não lhe ter sido permitida uma vida mais ampla a céu aberto. Por isso, muitas vezes uma mulher tem a sensação de estar vivendo num local vazio, onde talvez haja apenas um cacto com uma flor de um vermelho vivo, e em todas as direções 500 quilômetros de nada. No entanto, para aquela que se dispuser a andar 501 quilômetros, existe mais alguma coisa. Uma casa pequena e admirável. Uma velha. Ela está à sua espera.



Algumas mulheres não querem estar no deserto psíquico. Elas detestam a fragilidade, a escassez. Não param de tentar fazer com que um calhambeque enferrujado funcione para que possam descer aos solavancos pela estrada na direção de uma refulgente cidade que fantasiam na psique. Decepcionam-se, porém, pois a
exuberância e a vida selvagem não se encontram ali. Elas estão no mundo do espírito, no mundo entre os mundos, Rio Abajo Rio, no rio por baixo do rio.



Não seja tola. Volte, pare debaixo daquela única flor vermelha e siga em frente percorrendo aquele último e árduo quilômetro. Aproxime-se e bata à porta castigada pelas intempéries. Suba até a caverna. Atravesse engatinhando a janela de um sonho. Peneire o deserto e veja o que encontra. Essa é a única tarefa que temos de cumprir.

Boa leitura!

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Conto La Loba

La Loba

Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos de fadas da Europa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.




Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos.
Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban num carro incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos
formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo.

O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo.
Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos. Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montañas e os arroyos, leitos secos de rios, à procura de ossos de lobos e, quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.

Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e desgrenhado. La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.

E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo desfiladeiro.
Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.
Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo — algo da alma.

Para acessar o artigo sobre comentário do capítulo 1 clique aqui


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Introdução - Mulheres que correm com os lobos


Bom dia! Após ler o capítulo 8, voltei e li novamente o capítulo 1 (tinha lido só introdução e capítulo 1), mas só após aprofundar a leitura do 8, entendi mais o que o capítulo 1 tinha a me dizer... O livro passa a ter muitos significados quando fazemos o que a autora pede: que entremos na historia!

Hoje vou falar um pouco sobre o que a introdução me acrescentou e modificou na vida. Comecei a leitura do livro no mês passado, estava em viagem com meu companheiro, comemoração de 2 anos de casamento... ❤️   Eu andava muito 'perdida' nos meus projetos pessoais, sem saber o que fazer e aquelas palavras da introdução, mais especificamente estas que coloco abaixo, parecem que foram escritas para mim:

"Quais os sintomas associados aos sentimentos de um relacionamento interrompido com a força selvagem da psique? Sentir, pensar ou agir segundo qualquer um dos seguintes exemplos representa ter um relacionamento parcialmente prejudicado ou inteiramente perdido com a psique instintiva profunda. Usando-se exclusivamente a linguagem das mulheres, trata-se de sensações de extraordinária aridez, fadiga, fragilidade, depressão, confusão, de estar amordaçada, calada à força, desestimulada. Sentir-se assustada, deficiente ou fraca, sem inspiração, sem ânimo, sem expressão, sem significado, envergonhada, com uma fúria crônica, instável, amarrada, sem criatividade, reprimida, transtornada.

Sentir-se impotente, insegura, hesitante, bloqueada, incapaz de realizações, entregando a própria criatividade para os outros, escolhendo parceiros, empregos ou amizades que lhe esgotam a energia, sofrendo por viver em desacordo com os próprios ciclos, superprotetora de si mesma, inerte, inconstante, vacilante, incapaz de regular a própria marcha ou de fixar limites.

Não conseguir insistir no seu próprio andamento, preocupar-se em demasia com a opinião alheia, afastar-se do seu Deus ou dos seus deuses, isolar-se da sua própria revitalização, deixar-se envolver exageradamente na domesticidade, no intelectualismo, no trabalho ou na inércia, porque é esse o lugar mais seguro para quem perdeu os próprios instintos."

Estava caminhando muito assim... Sério. Sem exageros... Estava fora do que já havia sido um dia, longe, muito longe do que eu esperava para mim. Acredito que muitas mulheres acabam se perdendo no meio do caminho também... 

Li a introdução sozinha e depois reli com uma grande amiga e ela revelou sentir coisas parecidas... Sentiu, segundo ela, "como se organizasse a alma, como se chacoalhasse tudo, dando luz, dando vida..."

Café e leitura: eu e minha amiga lendo a introdução do livro.


Então vamos conhecer um pouco do que tem nessa introdução maravilhosa? 

A começar pelo título:  "Cantando sobre os ossos"

O que dá pra entender com esse título? O que você entende sobre esse título? Responde antes de continuar... Vamos ver se será a mesma ideia no final. 

No podcast Talvez seja isso, Bárbara Nickel e Mariana Bandarra relatam que no início o livro não parecia ter muito a ver com elas, foi assim comigo também... Há uns 4 anos uma psicóloga indicou a leitura, eu baixei o livro, mas começando a ler: "a fauna silvestre e a Mulher Selvagem são espécies em risco de extinção...", lendo o título e etc... Achei que não tinha NADA A VER COMIGO!! Bom, mas essa é a primeira frase do livro e, agora entendendo o que é a Mulher Selvagem, posso afirmar que realmente elas estão em extinção. 

Selecionei algumas partes que gostei mais da introdução: 

  • As terras espirituais da Mulher Selvagem, durante o curso da história, foram saqueadas ou queimadas, com seus refúgios destruídos e seus ciclos naturais transformados à força em ritmos artificiais para agradar os outros.
  • Minha vida e meu trabalho como analista junguiana e cantadora, contadora de histórias, me ensinaram que a vitalidade esvaída das mulheres pode ser restaurada por meio de extensas escavações "psíquico-arqueológicas" nas ruínas do mundo subterrâneo feminino.
  • Ela sofre pressões no sentido de ser tudo para todos.
  • Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção.
  • No entanto, as duas espécies foram perseguidas e acossadas, sendo-lhes falsamente atribuído o fato de serem trapaceiros e vorazes, excessivamente agressivos e de terem menor valor do que seus detratores. 
Clarissa então faz essa comparação entre mulheres e lobos e diz que foi no estudo dos lobos que primeiro se concretizou o conceito do arquétipo da Mulher Selvagem.

A autora fala um pouco de sua própria história e diz que a Mulher Selvagem já aflorava nela algumas vezes, na forma que ela foi criada e nos lugares em que ela morou. Segundo ela: "Tive a sorte de crescer na natureza." Ela fala um pouco também da geração dela, posterior à Segunda Guerra Mundial, época em que as mulheres eram "infantilizadas e tratadas como propriedade". Aí ela diz que passou a vida como uma "criatura disfarçada", usando chapéus, saltos, etc. 

"As questões da alma feminina não podem ser tratadas tentando-se esculpi-la de uma forma mais adequada a uma cultura inconsciente, nem é possível dobrá-la até que tenha um formato intelectual mais aceitável para aqueles que alegam ser os únicos detentores do consciente. Não. Foi isso o que já provocou a transformação de milhões de mulheres, que começaram como forças poderosas e naturais, em párias na sua própria cultura. Na verdade, a meta deve ser a recuperação e o resgate da bela forma psíquica natural da mulher."




Qual a substância que somos feitas?
Onde fica o nosso verdadeiro lar? 

"E, quando farejamos seu rastro, (da Mulher Selvagem) é natural que corramos muito para alcançá-la, que nos livremos da mesa de trabalho, dos relacionamentos, que esvaziemos nossa mente, viremos uma nova página, insistamos numa ruptura, desobedeçamos as regras, paremos o mundo, porque não vamos mais prosseguir sem ela."
  • Agora, seu cansaço do final do dia tem como origem o trabalho e esforços satisfatórios, não o fato de viverem enclausuradas num relacionamento, num emprego ou num estado de espírito pequenos demais. Elas sabem institivamente quando as coisas devem morrer e quando devem viver, elas sabem como ir embora e como ficar.
  • A Mulher Selvagem é a saúde para todas as mulheres. Sem ela, a psicologia feminina não faz sentido. Essa mulher não-domesticada é o protótipo de mulher... não importa a cultura, a época, a política, ela é sempre a mesma. Seus ciclos mudam, suas representações simbólicas mudam, mas na sua essência ela não muda. Ela é o que é; e é um ser inteiro. 
  • Ela abre canais através das mulheres. Se elas estiverem reprimidas, ela luta para erguê-las. Por mais que seja humilhada, ela sempre volta à posição natural. Por mais que seja proibida, silenciada, podada, enfraquecida, rotulada de perigosa, louca e de outros depreciativos, ela volta à superfície nas mulheres, de tal forma que mesmo a mulher mais tranquila, mais contida, guarda um canto secreto para a Mulher Selvagem.
  • No caso do arquétipo da Mulher Selvagem, para vislumbrá-la, captá-la e utilizar o que ela oferece, precisamos nos interessar mais pelos pensamentos, sentimentos e esforços que fortalecem as mulheres e computar corretamente os fatores íntimos e culturais que as debilitam.


Pra você, o que fortalece a Mulher Selvagem? E o que enfraquece?




Essas foram as minhas anotações, quais foram as suas? 

"Uma mulher saudável assemelha-se muito a um lobo; robusta, plena, com grande força vital, que dá a vida, que tem consciência do seu território, engenhosa, leal, que gosta de perambular. Entretanto, a separação da natureza selvagem faz com que a personalidade da mulher se torne mesquinha, parca, fantasmagórica, espectral. Não fomos feitas para ser franzinas, de cabelos frágeis, incapazes de saltar, de perseguir, de parir, de criar uma vida."

Sugiro que volte lá pro início desse artigo e releia os três parágrafos em destaque que falam de quando a mulher se separa da sua natureza selvagem. Aquele que inicia assim: "Quais os sintomas associados aos sentimentos de um relacionamento interrompido com a força selvagem da psique?"

"A Mulher Selvagem carrega consigo os elementos para a cura; traz tudo o que a mulher precisa ser e saber. Ela dispõe do remédio para todos os males. Ela carrega histórias e sonhos, palavras e canções, signos e símbolos. Ela é tanto o veículo quanto o destino." 

A autora nesses 2 seguintes parágrafos nos dá uma ideia de como o livro é escrito e de como deve ser encarado:
  1. Portanto, seguem-se histórias que elucidam o relacionamento com a Mulher Selvagem. As histórias e mitos transcritos nesta obra são transcrições literais das minhas conferências e apresentações. Os contos são apresentados em detalhes fiéis e em sua integridade arquetípica. Estão também incluídas algumas das perguntas que peço às mulheres que respondam, após refletirem sobre elas, para propiciar uma convergência consciente com o precioso Self selvagem. (Gente, só agora percebi que tem essas perguntas!!! Vou prestar mais atenção agora... rsrs)
  2. "O material contido neste livro foi selecionado para lhe dar coragem. O trabalho é oferecido como um fortificante para aquelas que estão no meio do caminho, incluindo-se as que lutam em difíceis paisagens interiores bem como as que lutam no mundo e por ele. Precisamos nos esforçar para permitir que nossa alma cresça naturalmente até atingir sua profundidade natural. A natureza selvagem não exige que a mulher tenha uma cor determinada, uma instrução determinada, um estilo de vida ou classe econômica determinados. Na realidade, ela não consegue vicejar na atmosfera imposta do "politicamente correio", ou quando é forçada a se amoldar a velhos paradigmas obsoletos. Ela viceja em visões novas e integridade individual. Ela viceja com sua própria natureza."
"Para encontrar a Mulher Selvagem, é necessário que as Mulheres se voltem para suas vidas instintivas, sua sabedoria mais profunda. Portanto, vamos nos apressar agora e trazer nossas lembranças de volta ao espírito da Mulher Selvagem. Vamos cantar sua carne de volta aos nossos ossos."

E agora? Voltando para o título "cantando sobre os ossos", é a mesma ideia que você teve inicialmente? 
Esse livro tem me ajudado tanto <3 
Caso queira compartilhar também suas experiências, coloca aqui nos comentários. 
Boa leitura! 

Fonte: https://www.bing.com/images/search?view=detailV2&ccid=HkgFxx4h&id=88F290C273D72547B8212C1A8C0063A86A9A3102&thid=OIP.HkgFxx4hqStvwnA4I_paAAEsDF&q=mulher+selvagem&simid=608001185612434801&selectedIndex=0&ajaxhist=0